"Há histórias tão verdadeiras que às vezes parece que são inventadas."
Essas “Histórias da unha do dedão do pé do fim do mundo” trazem a bela poesia de Manoel de Barros, dirigidas e ilustradas por Evandro Salles, com música de Tim Rescala, roteiro de Bianca Ramoneda, animação e direção de arte de Marcia Roth, e voz de Isabela Mele Rescala.
O menino que carregava água na peneira
Tenho um livro sobre águas e meninos.
Gostei mais de um menino
A mãe disse que carregar água na peneira
era o mesmo que roubar um vento e sair
correndo com ele para mostrar aos irmãos.
A mãe disse que era o mesmo que
catar espinhos na água
O mesmo que criar peixes no bolso.
O menino era ligado em despropósitos.
Quis montar os alicerces de uma casa sobre orvalhos.
A mãe reparou que o menino
gostava mais do vazio
que do cheio.
Falava que os vazios são maiores
e até infinitos.
Com o tempo aquele menino
que era cismado e esquisito
porque gostava de carregar água na peneira.
Com o tempo descobriu que escrever seria
o mesmo que carregar água na peneira.
No escrever o menino viu
que era capaz de ser
noviça, monge ou mendigo
ao mesmo tempo.
O menino aprendeu a usar as palavras.
Viu que podia fazer peraltagens com as palavras.
E começou a fazer peraltagens.
Foi capaz de interromper o vôo de um pássaro
botando ponto final na frase.
Foi capaz de modificar a tarde botando uma chuva nela.
O menino fazia prodígios.
Até fez uma pedra dar flor!
A mãe reparava o menino com ternura.
A mãe falou:
Meu filho você vai ser poeta.
Você vai carregar água na peneira a vida toda.
Você vai encher os
vazios com as suas
peraltagens
e algumas pessoas
vão te amar por seus
despropósitos.
Manoel de Barros
Nascido em Cuiabá (MT), em 1916, iniciou cedo sua vida na literatura. Ainda pequeno já escrevia e em 1937 publicou seu primeiro livro, Poemas concebidos sem pecado. De lá pra cá não parou mais. Premiado por vários livros, recebeu o Prêmio Nacional de Literatura do Ministério da Cultura pelo conjunto da obra, em 1998.
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